“Bandida” é o mais novo espetáculo do Grupo Teatro Empório. A peça, escrita e dirigida por Leandro Bacellar, narra a história do médico Ernando que se nega a beijar sua esposa Cecília, pois acredita que ela tenha saúde frágil demais para isso.
Ele, que é amado secretamente por seus cunhados Nelma e Bernardo, enjeita o casamento desse último com Ritinha, mas ela descobre as preferências homossexuais do seu noivo, lendo seu diário. Nesse livro, estão relatos das traições de Cecília com Oswaldinho e com Heitor, esse último apaixonado por Nair, enfermeira de Nelma. Os detalhes da trama e sua solução vêm à tona e a cerimônia corre risco de não acontecer. Através do melodrama, os lados obscuros de cada personagem se revelam em uma “tragédia carioca” com fortíssimas inspirações na obra rodriguiana dos anos 50 e 60. Com Carolina Lavigne e Luciano Borges no elenco, há os bons trabalhos de Letícia Iecker e de Luiz Fernando Lopes nos papeis principais com ótimas participações de Diego Carneiro e de Nívia Terra com destaque para Stace Mayka. A produção termina hoje sua primeira temporada na Sala Bel Garcia da Sede das Cias, na Lapa, zona central do Rio de Janeiro.
Leandro Bacellar e sua dramaturgia rodriguiana
A primeira questão que deve ser esclarecida sobre “Bandida” é sua apresentação como “comédia de costumes” em relação à sua clara inspiração dramatúrgica. Nelson Rodrigues (1912-1980) chamou de Tragédias Cariocas as peças “A falecida” (1953), “Perdoa-me por me traíres (1957), “Os sete gatinhos” (1958), “Boca de ouro” (1959), “O beijo no asfalto” (1960), “Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária (1962), “Toda nudez será castigada” (1965) e “A serpente” (1980). Apesar de reflexões em contrário, essas não se tratam de comédias de costumes, termo que pode atualizar para a dramaturgia brasileira o que na Europa se chama de farsa. O que liga os gêneros é a denúncia de um comportamento social corrompido. No entanto, nessa parte da obra rodriguiana, o encontro de personagens realistas naturalistas em uma curva narrativa melodramática pontua uma referência ao tom trágico que os identifica na história. Isso não se vê em comédias de costumes, cujos personagens sofrem de um forte apagamento de suas identidades em favor de suas funções na narrativa, da valorização do ambiente em que vivem e do modo claro com que se reconhece a crítica social.
Leandro Bacellar, no texto de “Bandida”, apresenta personagens fortes demais para serem lidos apenas como instrumentos de crítica social. Suas ações, além disso, são facilmente justificadas a partir de motivações internas: um amor não correspondido (Bernardo), um desejo não realizado (Cecília), a ambição social (Ritinha), a necessidade de vingança (Nelma e Nair), o horror (Ernando), etc. A la Nelson Rodrigues (apesar desse ter fincado seus personagens na sua contemporaneidade), a história de Bacellar se passa em algum lugar temporal nas décadas de 40 e 60 no Brasil: inexistência do divórcio, força dos valores católico-cristãos, gêneros bem definidos, estrutura familiar tradicional. Como nosso mais célebre dramaturgo também, a curva narrativa é bem melodramática: reviravoltas nos contornos, diálogos ágeis e cenas curtas, uso do idioma formal, maniqueísmo. O resultado é uma dramaturgia que só não é maior porque as inspirações são muito claras. Copiar bem um grande mestre, no entanto, é um feito que merece ser aplaudido. Aqui é um caso disso.
Stace Mayka apresenta ótima interpretação
Quanto à direção de “Bandida”, Leandro Bacellar, assistido por Larissa Siqueira, tem méritos também. O espetáculo cresce ao longo de sua apresentação de noventa minutos. Os quadros são bem articulados, as cenas se estabelecem de modo ágil e são bem finalizadas, os signos estéticos – luz, figurino e trilha sonora – têm suas concepções participando da composição do quadro de modo positivamente colaborativo. O conjunto das interpretações sofre pelo piso encerado demais do palco da Sede das Cias. É prejudicado também pelos desníveis das atuações, apesar dos esforços da direção em instrumentalizar o elenco com potente partitura de movimentos e de expressões.
Nívia Terra (Nelma) e Diego Carneiro (Heitor) fazem ótimas contribuições, aproveitando os momentos com visível Inteligência cênica e habilidade técnica. Em destaque, Stace Mayka brilha em oportunidades bem encontradas que se mostram potencializadas a partir de respostas sutis e pontuais.
Vale a pena ser visto!
“Bandida” se constrói a partir de ótimas colaborações da iluminação de Lara Cunha, do figurino de Ramon Alcântara (com visagismo de Rodrigo Reinoso e de Débora Saad) e da trilha sonora. Os três elementos, personagens à parte na narrativa, oferecem lugar para a estrutura de quadros visualmente interessantes e que bem se articulam com o contexto.
Eis um trabalho que vale a pena ser visto!
quinta-feira, 23 de junho de 2016
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fotos: LUCAS ASSEITUNO